Francisco Caldeira Cabral e os Logradouros de Alvalade

Francisco Caldeira Cabral (1908-1992) tem sido referido como o autor dos projectos de arborização dos logradouros do Bairro das Caixas. Uma afirmação falsa, mas que nada diminui a sua obra paisagista. Chegou a Portugal, em 1939, após ter concluído o curso de arquitectura paisagista em Berlim sob a orientação do Mestre Professor Wipking. No Instituto Superior de Agronomia, a partir de 1942 passou a ministrar um curso livre de arquitectura paisagista. Desenvolveu uma ampla actividade de publicações e iniciativas neste domínio. Um dos seus conceitos inovadores foi o de continuum naturale que procurava preservar as estruturas fundamentais da paisagem e a sua penetração no tecido edificado através de corredores verdes. Em Alvalade destacamos da sua autoria os jardins e arborização do Hospital Júlio de Matos (1942-1943).

Os logradouros de Alvalade estavam previstos no plano de Faria da Costa, tendo no seu interior caminhos pedonais, constituindo o arvoredo o elemento limitador das oito células do Bairro de Alvalade. Nas células 1 e 2 (Bairro das Caixas) , as primeiras a serem construídas, os planos de arborização e jardinagem foram confiados à 3ª. Repartição – Arborização e Jardinagem (RAJ) da Direcção dos Serviços Técnicos-Especiais (DST-E) da CML, então chefiada pelo engenheiro silvicultor José D’Orta Cano Pulido Garcia (1904-1983).

Nestas células, os jardins das duas escolas e os "logradouros comuns" entre os edificios foram da responsabilidade de Manuel Azevedo Coutinho (1921-1992), antigo aluno de Francisco Caldeira Cabral.

Cedo se percebeu que os logradouros das células 1 e 2, acabariam por originar no futuro graves problemas. No relatório elaborado por Manuel Azevedo Coutinho, em 1949, assinala vários problemas resultantes do projecto urbanístico destes logradouros: insalubridade, em particular nos seus pisos térreos, deficiente limpeza e manutenção pela CML, a produção agricola seria sempre escassa, previa inclusive a ocupação destes espaços por construções precárias. Era uma experiência que não devia ser repetida no Bairro de Alvalade. Neste sentido, os novos logradouros construídos na Av. Dom Rodrigo da Cunha e no Bairrro de São João de Deus (Bairro das Estacas) foram abertos à circulação das pessoas, o mesmo aconteceu nos dois lados da Av. dos EUA e no Conjunto Habitacional do Montepio na Av. do Brasil.

Os problemas identificados acabaram por agravaram-se com o tempo, tornando-se numa chaga a partir dos anos oitenta do século XX. Os logradouros das células 1 e 2 foram inundados por barracas, toneladas de lixo, ratazanas e todo o tipo de bicharada. A indefinição quanto à propriedade destes terrenos, entre a CML e o IGFSS (absorveu a Federação das Caixas de Previdência) ao provocar o seu abandono, facilitou a ocupação ilegal dos logradouros. Os caminhos de pedonais foram obstruídos ou destruídos. Por volta de 2000, como escrevemos, Ribeiro Teles elaborou um projecto para a sua recuperação, nomeadamente para travar a crescente impermeabiilização dos solos devido às construções clandestinas.

A Junta de Freguesia de Alvalade (PS), em 2014, resolveu clarificar a situação da propriedade dos logradouros. Uma questão que servia de argumento para manter o seu abandono. Pressionou a CML, sob a liderança de António Costa/Fernando Medina, e esta entendeu-se com o IGFSS, um processo que foi resolvido com a aquisição pela autarquia dos terrenos sobrantes. Havia agora um entidade pública a quem se podia pedir responsabilidades. Foi então possivel, pensar na requalificação dos logradouros dos Bairro das Caixas, processo que foi iniciado no ano seguinte, com a remoção de toneladas de lixo. A extrema-direita, como é sabido, atacou a requalificação dos logradouros falando em negócios ocultos, corrupção.

Próximo das eleições autárquicas, em 2021, uma freguesa de Alvalade, copiando o discurso da peste que se instalou na freguesia, adquiriu alguma notoridade pública na cruzada contra a requalificação dos logradouros das células 1 e 2, qualificando-as como acções criminosas. Afirma defender o legado de Francisco Caldeira Cabral, esquecendo que ele e Manuel Azevedo Coutinho justamente condenaram este tipo de logradouros, apontando como problemas os que a requalificação iniciada em 2014 procurou corrigir.

Hospital Júlio de Matos

Hospital Júlio de Matos

Hospital Júlio de Matos

Um das oliveiras plantadas no Dia Mundial do Ambiente (5/06/2023), dedicada às JMJ em Lisboa. A manutenção dos jardisn e arvoredo do tempo de Francisco Caldeira Cabral nunca teveram uma manutenção adequeada. O que hoje podemos observar no Parque de Saúde de Lisboa é uma pálida imagem, muito decadente, dos seus tempos aureos. No dia anterior a termos tirado estas fotos, caiu mais uma árvore de grande porte no parque. Fotos: 29/03/2024