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A Reabilitação das Casa de Rendas Económicas das Células I e II
do Bairro de Alvalade

Alexandra N. Alegre, João Appleton, Teresa V. Heitor

Estudo publicado em Lisboa. Urbanismo -  Boletim Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística da CML, número de Março/Abril de 1999

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As Casas de Rendas Económicas das células I e II do Bairro de Alvalade constituem um conjunto habitacional formado por 2066 fogos distribuídos por 302 edifícios. Localizadas na freguesia do Campo Grande, ocupam uma área de cerca de 47 ha limitada a norte pela Av. do Brasil; a nascente pela Av. de Roma; a sul pela Av. dos EUA e a poente pelo Campo Grande.Este conjunto, construído no final da década de 40, corresponde à primeira fase de desenvolvimento do Plano de Urbanização de Alvalade da autoria do arqto. Faria da Costa (Tostões, 1994).  Inteiramente assegurado pelo Município com o financiamento da Federação das Caixas de Previdência (FCP) (D.L.35611/46), foi executado com base num projecto-tipo com 9 variantes da responsabilidade do arq. Jacobetty Rosa. As soluções propostas agrupavam-se em três séries de três tipos cada, correspondendo as séries aos diferentes níveis sociais da população a alojar e os tipos à dimensão média dos agregados familiares (Lei 2007). 

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O projecto tipo foi alvo de estudos de aperfeiçoamento e de viabilidade técnica tendo sido ensaiadas metodologias, na altura inéditas, de análise e de apoio à decisão (e.g. Método dos Sinais) (Alegre1999). Pretendia-se obter uma solução económica através da racionalização da organização espacial e da adaptação dos espaços à função prevista, com preocupações a nível de higiene, de iluminação e de ventilação natural. Acima de tudo, procurava-se racionalizar o fogo de modo a aumentar o valor da habitação reduzindo ao mínimo compatível a área da mesma’ (CML, 1946). Conceberam-se fogos de planta rectangular dotados de iluminação natural em todos os compartimentos e de ventilação transversal. Suprimiram-se os saguões e evitou-se a existência de recantos húmidos e sombrios como resultado de uma evolução que o município pretendia levar a cabo na organização espacial das habitações. É abolido o corredor e introduzido o conceito de zonamento das funções domésticas com base em áreas de utilização privada, social e de serviços.

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Os edifícios, com 3 e 4 pisos sem elevador, enquadram-se na tipologia de bloco. Organizam-se em quarteirões abertos, permitindo a construção de logradouros arborizados, atravessados por caminhos para peões sobre os quais se debruçam as fachadas posteriores. Formalmente caracterizam-se pela sobriedade e pela reduzida variação de elementos de composição arquitectónica o que lhes imprime uma forte unidade de conjunto. 

Em termos construtivos pertencem à época de transição para o betão armado: empregam alvenarias hidráulicas e de tijolo e incorporam pavimentos de betão armado, nas zonas de serviço (cozinhas, instalações sanitárias) e nas varandas, e de vigamento de madeira e solho à portuguesa nas restantes zonas (sala e quartos). As alvenarias tradicionais de pedra e tijolo foram substituídas por alvenarias de blocos de betão na última empreitada. Na construção foram ainda integrados elementos pré-fabricados como portas e janelas com dimensões e secções das caixilharias normalizadas, e elementos normalizados de betão para degraus de escadas e guarnecimentos de vão exteriores, o que permitiu uma maior economia de custo e maior rapidez de construção. As coberturas apresentam estrutura e esteira de madeira e revestimentos em Telha Lusa. As paredes são rebocadas a argamassa de cimento e areia, acabadas exteriormente a massa de areias e estucadas no interior. Na cozinha foram aplicados lambris de azulejos e nas instalações sanitárias lambris de marmorite. Os acabamentos dos pavimentos das zonas húmidas foram executados com ladrilhos de cimento e os pavimentos das escadas revestidos a marmorite.


Refira-se que a realização deste conjunto habitacional, para além de ser das primeiras operações de grande dimensão a incorporar pavimentos de betão armado em Portugal, foi também pioneira na utilização de alvenarias de blocos de betão (Lobato, 1951).

A construção dos edifícios, foi distribuída por quatro grupos de empreitadas, acrescidas da construção de um grupo experimental constituído por três prédios de diferentes tipos. O primeiro conjunto composto por 84 edifícios foi inaugurado em 1947 (CML, 1948). 

CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL

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Passadas cinco décadas sobre a sua construção, este conjunto denota problemas que põem em causa a sua imagem urbana bem como o seu desempenho geral, e em particular no que se refere à segurança do ponto de vista estrutural e contra riscos de incêndio. Esta situação, que caracteriza actualmente muitos dos conjuntos habitacionais da cidade de Lisboa, é resultado de um conjunto de factores dos quais se destaca:

1. Desempenho deficiente a nível construtivo e funcional derivado do envelhecimento e desgaste dos materiais, componentes e instalações constituintes que, associados aos efeitos climatéricos e de poluição e à ausência de acções de manutenção, provoca a diminuição da durabilidade dos elementos da construção e o seu desajustamento face aos níveis mínimos de exigências funcionais.

A descrição sintética das principais anomalias que ocorrem nos diversos elementos da construção permitiu uma leitura global do estado de conservação do conjunto dos edifícios. Salienta-se que as principais anomalias se verificam nos elementos da envolvente exterior dos edifícios (paredes e cobertura), nos pavimentos interiores e nas instalações técnicas.

Nas paredes verifica-se a degradação das alvenarias e dos revestimentos, bem como o mau estado de conservação das caixilharias de madeira e de ferro o que provoca infiltrações de água para o interior ( Ver Imagem ) - Degradação generalizada dos elementos da fachada de um dos edifícios).

Aspecto das fachadas degradadas. 1999

Esta situação ocorre também nas coberturas devido às anomalias existentes nos revestimentos. O deficiente isolamento térmico que a generalidade das coberturas apresentam é responsável por perdas térmicas e por formação de condensações superficiais nos tectos interiores dos últimos pisos. Os pavimentos interiores apresentam ataques da madeira por fungos e insectos, devido à falta de protecção adequada da madeira, facilitados pela presença de humidade.

Nas instalações técnicas salienta-se a ocorrência de perda de estanquidade das canalizações de água devido ao envelhecimento dos materiais constituintes; o entupimento e problemas de cheiros nas instalações de esgotos; a degradação dos componentes da instalação eléctrica constituindo um importante foco de propagação de incêndio e por último, a instalação de esquentadores em algumas instalações sanitárias com deficiente ventilação, o que constitui um factor de perigo que inclusivamente já causou danos pessoais.

2. Realização de intervenções pontuais frequentemente incorrectas ou desajustadas por parte dos moradores no sentido de colmatar deficiências construtivas. Esta situação reflecte a falta de conhecimento da realidade construída e de instrumentos técnicos de apoio. A incapacidade de reconhecimento das causas das anomalias existentes leva a intervenções incorrectas e à aplicação de soluções desajustadas que, no seu conjunto, poderão contribuir a curto prazo para o agravamento do estado de conservação.

No levantamento efectuado foram identificados dois períodos de intervenções nas CRE distintos em função dos objectivos, responsáveis intervenientes e objecto de intervenção.

No primeiro período (fim dos anos 50/início dos anos 70) foram executadas diversas obras, sob responsabilidade da FCP, constituindo uma acção programada no sentido de se repararem as anomalias existentes. Refere-se a empreitada de substituição dos pavimentos de madeira existente por pavimentos de vigotas de betão

pré-esforçado com blocos cerâmicos de enchimento, que afectou, em alguns casos, a estrutura resistente dos imóveis devido à sobrecarga imposta.
O segundo período de obras tem o seu início com a venda das habitações (fim dos anos 80/início dos anos 90). Por serem realizadas isoladamente sob a responsabilidade de cada proprietários, as intervenções não seguem uma política conjunta de actuação. Verificou-se que nos fogos vendidos aos antigos inquilinos, as intervenções reflectem um conjunto de intervenções pontuais realizadas ao longo do tempo, visando a resolução de problemas provocados pelo desgaste e, ao mesmo tempo, um ajustamento aos novos padrões de vida. Nos casos em que ocorreu mudança de proprietário, então, em regra, os fogos são alvo de intervenções profundas no seu interior.

No que diz respeito às intervenções realizadas na envolvente do edifício,referem-se a obras de beneficiação geral e de reparação das anomalias existentes. São realizadas individualmente por cada condomínio, sob a responsabilidade do empreiteiro contratado para a sua realização que, para além de ser o técnico responsável pela execução das obras, identifica as anomalias existentes, as soluções de intervenção para a resolução das mesmas e programa os

trabalhos a executar. Toma o papel de arquitecto, engenheiro e empreiteiro simultaneamente.

3. A evolução social da população que habita as CRE, visível no processo de ‘gentrificação’ (Bourne, 1993) que se tem vindo a assistir, com diferentes composições do agregado familiar (de menor dimensão)e com um maior poder económico, produziu alterações no modo de uso dos fogos com repercussões na organização espacial e construtiva. Estas intervenções visam a adaptação dos fogos aos novos modos de vida e às necessidades actuais dos novos moradores com outras exigências de conforto e salubridade e diferentes necessidades de espaço para determinadas funções domésticas.
A alteração da organização espacial inicial, realizada com desconhecimento da realidade construtiva, tende a provocar danos irreparáveis para a construção e estrutura. A título de exemplo refira-se: a demolição de paredes divisórias interiores que suportam vigamentos de madeira provocando vibrações e deformações nos pavimentos; a demolição de paredes perpendiculares à fachada com função de travamento estrutural, diminuindo a segurança sísmica do edifícios; a demolição de paredes exteriores para conjuntamente com o encerramento de varandas, aumentar a área útil do compartimento, diminuindo a resistências estrutural dos edifícios; a construção de novas paredes divisórias que constituem uma sobrecarga nos pavimentos onde assentam; a demolição de parte de paredes, de parte da laje de esteira e aberturas de vãos, que no seu conjunto contribuem para a diminuição da segurança estrutural e sísmica. 

4. A ocupação ilegal e desordenada dos logradouros dos edifícios, que se tem vindo a acentuar gradualmente ao longo dos anos, por construções clandestinas para os mais diversos fins como capoeiras, arrecadações, garagens e até pequenos escritórios são actualmente visíveis tanto nos logradouros de cada edifício, como nos espaços comuns a todos. Esta ocupação clandestina do solo, para além das más condições ambientais que proporciona aos habitantes, constitui um grave desajustamento em termos de exigências de segurança contra riscos de incêndio. 

Construções clandestinas nos logradouros. Em 2011 a situação ainda não se tinha alterado, muito pelo contrário.

Conclusões


Verifica-se que as intervenções realizadas nas CRE das células I e II do Bairro de Alvalade visam a resolução de problemas construtivos e espaciais e de adaptação dos fogos às novas exigencias e necessidades dos agregados familiares. Estas acções de intervenção, pelo seu grau de profundidade e pela falta de conhecimento técnico da realidade construída, caracterizam-se por soluções rápidas e pouco dispendiosas, frequentemente desajustadas face à especificidade construtiva dos edifícios. A curto ou médio prazo revelar-se-ão de fraca eficácia, implicando graves consequências para a construção e estrutura dos edifícios bem como para a preservação da imagem urbana do conjunto a que pertencem.
Esta situação resulta da ausência de critérios de intervenção que apoiem as acções de reabilitação da responsabilidade dos moradores. De facto, estes edifícios, da época de construção de transição para o betão armado, não se incorporam no âmbito das acções de intervenção de reabilitação que o município tem vindo a executar (e.g. zonas históricas).

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A criação de um instrumento normativo para regulamentação das intervenções nas CRE, e posteriormente nos conjuntos habitacionais da cidade de Lisboa com características construtivas semelhantes (e.g. Quintado Jacinto), revela-se uma necessidade fundamental para que se que estabeleçam regras específicas de actuação de modo a garantir o cumprimento dos objectivos de um programa de reabilitação ajustado à realidade em causa (Aguiar et alt, 1998). Inscrito no quadro da Reabilitação Urbana tal programa deverá permitir o melhoramento das condições de habitabilidade através da resolução das anomalias construtivas, ambientais e espaciais, tornando os fogos aptos a novos modos de habitar bem como garantir a manutenção da unidade estética e urbanística do conjunto edificado e a ocupação habitacional evitando a sua apropriação pelo sector terciário. A melhoria das condições ambientais e de segurança por acções a empreender no espaço urbano (ruas, praças, logradouros e jardins) constitui igualmente um objectivo das acções de reabilitação. Como refere Portas (1998) o Bairro de Alvalade revelou-se um ‘estaleiro de inovações técnicas’ bem como um exemplo de ‘mix social e de actividades e de espaços livres generosos’ constituindo-se como um caso único no património recente da cidade de Lisboa e que como tal importa preservar

Referências

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AGUIAR,J., CABRITA,A.R. e APPLETON,J. (1998) Guião de Apoio à Reabilitação de Edifícios Habitacionais, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa
ALEGRE, A. N. (1999) - ‘Estudo de Diagnóstico de Consulta e Apoio à Reabilitação das Casa de Rendas Económicas das Células I e II do Bairro de Alvalade’, Dissertação de Mestrado em Construção, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa, Maio 1999
BOURNE, L.S. (1993) ‘The Myth and Reality of Gentrification: A Commentary on Emmerging Urban forms’, Urban Studies, nª1, pag.183-189
CML (1946); ‘Grandes Problemas de Lisboa - A Construção de Casas de Rendas Económicas’ in Revista Municipal, nº 26, Edições Câmara Municipal de Lisboa, 3º trimestre de 1945.
CML (1948) A Urbanização do Sítio de Alvalade, Edições Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, Setembro de 1948.
LOBATO, L.G. (1951) ‘A Experiência de Alvalade’ in Separata da Técnica, Revista de Engenharia, nº 209-210, Instituto Superior Técnico, Lisboa 1951.
PORTAS, N. (1998) ‘A Arquitectura da Habitação no sec.XX Português’ in Becker,A., Tostões,A. e Wang,W. Arquitectura do sec. XX - Portugal, pag.117-121, Portugal-Frankfurt97 SA, Lisboa
TOSTÕES,A. (1994) ‘O Bairro de Alvalade’ In Moita,I.(ed) O Livro de Lisboa, pag. 519-522, Livros Horizonte/Lisboa94, Lisboa

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