Judaísmo em Portugal

Carlos Fontes

.

Inquisição em Portugal

 Anterior

 

 

 

 

 

A Inquisição em Portugal não pode ser desligada do contexto peninsular. Os reis de Castela e Aragão nunca pararam de pressionar os reis de Portugal a seguirem o seu exemplo, matando ou expulsando os judeus.

 

Desde a independência de Portugal, em 1128, que os reis portugueses deram mostras de uma enorme tolerância para com o judaísmo. 

 

D. Afonso II, por exemplo, impediu que o dominicano Frei Soeiro Gomes, instaura-se a Inquisição em Portugal (1219). Permitiu inclusive que os judeus tivessem escravos cristãos.

 

D. Afonso III e D. Dinis atribuíram-lhes privilégios que negavam aos cristãos: não os obrigavam ao pagamento do dizimo à Igreja Cristã, dispensando-os inclusive do uso de sinais distintivos. 

 

No reinado de D. Fernando e de D. João I, enquanto em Castela e Aragão, os judeus eram perseguidos em Portugal eram tomadas medidas especiais para a sua protecção. Com D. Afonso V, os judeus desfrutam de uma grande protecção, liberdade e apoio real.

 

O judaísmo estava profundamente disseminado na cultura em Portugal, nunca se afirmando como uma cultura distinta.

 

A situação dos portugueses judeus altera-se bastante com D. João II, devido a um facto da maior relevância. Num curto espaço de tempo entram em Portugal, mais de 100 mil judeus fugidos de Castela e Aragão (1492). Ocorre então um enorme aumento populacional em muitas localidades do país, alterando o próprio equilíbrio entre cristãos e judeus. Portugal passa a ser conhecido como uma nação de judeus, uma ideia muito difundida internacionalmente até final do século XVIII. 

 

D. Manuel I (1495-1521), sob pressão directa dos reis de Castela e Aragão, mas também da Santa Sé, é compelido a "expulsar" todos aqueles que não quisessem aderir ao cristianismo. A esmagadora maioria, em 1497 aceitou fazê-lo, passando a viver uma vida dupla: em público eram cristãos, em privado judeus. 

 

Início

 

D. João III ficou ligado ao estabelecimento da Inquisição em Portugal (1536), cerca de 58 anos depois da sua instituição em Espanha.  O processo foi longo, pois os homens da Igreja em Roma, exigiam um alto preço.

 

Os cristãos novos, utilizando todos os meios, incluindo o suborno da Curia Romana, conseguiram durante vários anos impedir a autorização papal. Entre os muitos clérigos do Vaticano que enriquecerem à custa dos cristãos novos portugueses, conta-se o núncio do papa em Portugal - Hieronimo Ricenati Capodiferro.

 

D. João III, acabou por ganhar, pagando em subornos um preço mais alto: O Cardeal Farnese recebeu em pagamento o Bispado de Viseu, além de uma renda anual de cerca de 20.000 ducados. O Cardeal Santiquatro, velho amigo do rei obteve uma pensão anual de 1500 cruzados e o Cardeal Crescentiis uma pensão de 1.000 cruzados (1).

 

O objectivo do rei e da Igreja Católica era a perseguição dos cristãos novos, dado que estavam convencidos que todos eles continuavam em segredo a manter as suas crenças judaicas. Na prática tratou-se de um expediente para confiscar (roubar) os bens dos cristãos novos, a elite empreendedora do país. 

 

A Igreja Católica portuguesa entre 1536 e 1821 teve sempre duas preocupações fundamentais: 

- Assegurar que fosse garantido o confisco (roubo) dos bens dos cristãos novos, uma das suas grandes fontes de receitas. 

- Impedir a sua saída dos cristãos novos de Portugal, de modo a manter a sua fonte permanente de rendimentos. A Santa Sé chegou a acusar a Igreja portuguesa de estar a escravizar os cristãos novos.

 

Os constantes conflitos entre os clérigos portugueses e o papa, a respeito da Inquisição, raramente envolveram problemas doutrinais, a questão recorrente era a possibilidade do confisco (roubo) dos bens dos condenados. Mais

 

 

1539-1578: D. João III e D. Sebastião

A organização da Inquisição em Portugal foi obra do Cardeal-Infante D. Henrique, Inquisidor-Geral durante 40 anos. Define desde logo como principal objectivo a perseguição e o saque dos cristãos novos, mas também o combate aqueles que tenham ideias doutrinais ou literárias que ultrapassem os limites da ortodoxia católica.

 

O primeiro Auto de Fé ocorreu em Lisboa a 20/09/1540, que provocou quase de imediato um sério problema económico. Em 1544 a Feitoria de Antuérpia, na Flandres, onde predominavam os cristãos-novos apresenta dividas de três milhões de cruzados.

 

D. João III ainda consegue salvar o estado da bancarrota. Os Actos de Fé são suspensos entre 1544 e 1548, assim como o confisco de bens entre 1546 e 1556. A morte do rei em 1557 precipita tudo. Portugal passa a ser governado por uma rainha espanhola, tia de Filipe II de Espanha, a Inquisição adquire nova força, as perseguições aumentam. O país entra pela primeira vez na sua história em bancarrota (Alvará de 2/2/1560). D. Sebastião a troco de 250 mil cruzados, em 1577, suspende o confisco de bens e permite a saída dos cristãos novos do reino. Estas iniciativas tiveram sempre a viva oposição do inquisidor-geral.

 

Apesar da enorme barbárie este período, foi comparativamente menos cruel do que o seguinte.

 

Tribunal de Lisboa Tribunal de Évora Tribunal de Coimbra
Condenados  Executados Condenados Executados Condenados Executados
1540-49 50 40 230 6 85 4
1550-59 3? - 115 7 ... ...
1560-69 224 16 283 15 427 19
1570-79 85 14 285 45 359 26
Totais

   Fonte: Torres

.

1580-1640: Período dos Reis Espanhóis 

O período da ocupação de Portugal pela Espanha, entre 1580 e 1640, marca uma época de terror. Até 1580 foram apenas 18 o número de familiares da Inquisição. A partir de 1580 tudo aumenta de forma vertiginosa. Número de comissários, familiares e até os ordenados dos Inquisidores e funcionários do "Santo Ofício". Foi decisivo neste processo, a nomeação para Inquisidor-Geral de Portugal entre 1585 e 1593 do arquiduque Alberto, filho do imperador Maximiliano II, sobrinho de Filipe II. 

 

Os reis de Espanha passam a dar instruções directas aos inquisidores portugueses, apontando-lhes alvos e reclamando o produto dos saques (47). Não raro eram chamados a Madrid.

 

A intolerância religiosa pressionada pelo rei e a Inquisição espanhola alastrou por Portugal. O número de presos e mortos (relaxados) não tardou  a subir, o terror instalou-se acompanhado pelo saque (confisco) dos bens dos que caíam sob a alçada dos inquisidores. 

 

Entre 1540 e 1821 foram instaurados 44.817 processos e executadas 2.064 pessoas (42), das quais cerca de 600 em

estátua. Mais de 80% das vitimas correspondem aos 60 anos de ocupação espanhola, levando a uma fuga em massa da população entre 1620 e 1640. Depois desta data até 1821 foram mortas 200 pessoas, muitas delas em estátua (43).

 

Foi no "período espanhol" que os inquisidores fazem a sua primeira visita ao Brasil (Bahia,1591). Em 1626 expande-se também para África. As perseguições de cristãos-novos, por volta de 1630 no Algarve e em Goa (50),  destroem importantes rede internacionais de comercio e de capitais, provocando um duro golpe na economia do país, contribuindo desta forma para a desagregação do Império português. 

 

1641-1656 : D. João IV

Pouco depois da restauração da independência de Portugal, em 1641, o inquisidor-geral, que fora nomeado pelos espanhóis, parece envolvido numa conspiração para matar o novo rei (D. João IV). 

 

A Inquisição procurou boicotar a aplicação do Tratado de Paz de Portugal e a Holanda (12/6/1641). Contra o estipulado no Tratado de Paz e as ordens de D. João IV, julgou e matou portugueses, como Isaac de Castro (Dez.1647) que se haviam aliado aos holandeses na guerra contra os espanhóis.

 

D. João IV quando proibiu o confisco de bens pela Inquisição, em Maio de 1647, foi excomungado pelo Inquisidor-Geral, alegando que a Inquisição não obedecia às ordens do rei. Dois anos depois nova tentativa do monarca para proibir o confisco de bens e nova recusa da Inquisição, uma luta que se prolongou até à sua morte do rei em 1656 (44).

 

Depois de morto, as suas ossadas foram tiradas do caixão à vista um vasto bando de católicos fanatizados. O cadáver despojado das suas vestes reais, foi estendido aos pés do Conselho Geral do Santo Ofício. Um acto de suprema humilhação a que tiveram que assistir, a rainha D.Luisa de Gusmão e os dois principes. Só depois de ser lido o processo secreto a que D. João IV fora objecto pela Inquisição é que a absolvição foi dada pela Igreja Católica, através dos seus inquisidores (2).

 

O Padre António Vieira demonstrou que a Inquisição em Portugal, defendia o partido dos espanhóis, e tudo fazia para arruinar o país: "(...) certos ministros religiosos são conhecidamente favorecedores da parcialidade de Castela e tão obrigados a ela, e mais castelhanos no afecto, que os mesmos castelhanos"(45).

 

1656-1750: D. Afonso VI, D. Pedro II e D. João V

A Inquisição afirma-se ao longo de todo o século XVII como Estado dentro do Estado, apoiada no terror e sustentada pelos bens confiscados aos condenados. É por esta razão que não pára de descobrir novos "judeus"no país e nas colónias.

Durante o reinado de D. Afonso VI (1656-1667) a Inquisição vê reforçado o seu poder. A Igreja Católica portuguesa, imitando a espanhola, reclama agora o extermínio de todos os cristãos novos, mobilizando para tal bandos de fanáticos pelo país. O célebre roubo na Igreja de Odivelas, em 1671, prontamente atribuído a judeus, insere-se nesta estratégia de terror e de saque. O número de condenados e executados só tem paralelo com o período dos reis espanhóis.

As populações de Trás-os-Montes e da Beira Interior são massacradas e espoliadas dos seus bens. A partir do inicio do século XVIII, os inquisidores viram-se para o Brasil, procurando apropriarem-se dos bens dos mineiros e proprietários de engenhos de açúcar.   

D. Pedro II (1668-1707), mostrou-se no inicio do seu reinado mais aberto a limitar o poder da Inquisição, mas logo encontrou pela frente a resistência da Igreja católica e dos seus bispos. O saque dos cristãos-novos constituía uma fonte de receitas que a Igreja não estava disposta a abdicar, não parando de "fabricar" judeus. 

O Vaticano influenciado pela acção do padre António Vieira, suspendeu a Inquisição entre 1674 e 1681. O último Auto de Fé  no Terreiro do Paço foi realizado em 1683, três anos depois da última cerimónia pública na Plaza Mayor de Madrid. 

Os Autos de Fé passaram a realizar-se no interior das igrejas. O que excitava as multidões era contudo as execuções: pessoas a serem queimadas vivas ou mortas. 

Auto de Fé, no Terreiro do Paço (Lisboa). Gravura de 1682.

O reinado de D. João V (1707-1750) prosseguiu de forma menos exuberante, o extermínio e o roubo dos cristãos novos. No estrangeiro as imagens e uma abundante literatura sobre as perseguições e os Autos de Fé realizados em Portugal, continuaram a mostrar um país dominado pelo medo, fanatismo religioso e ignorância. 

Auto de Fé, na Praça do Rossio (Lisboa). Gravura de 1741

 

1751-1821

Marques de Pombal em 1775 aboliu a distinção entre cristãos-novos e velhos em Portugal, em Espanha manteve-se durante quase um século. O último Auto de Fé em Portugal foi em 1781 (Évora), no país vizinho em 1826. A Inquisição foi extinta em Portugal em 1821 e só 13 anos depois em Espanha.

 

 
Carlos Fontes
 

Notas:

(1) Novinsky, Anita - O Tribunal da Inquisição em Portugal 450 anos do seu estabelecimento, in, A Inquisição em Portugal. Biblioteca Nacional. Lisboa.1987.

(2) Moreira, António Joaquim; Lourenço D. Mendonça, José - História dos Principais ... p.132-133

42) Bettencourt, Francisco - Inquisição, in, Dicionário de História Religiosa de Portugal

(43) Fortunato de Almeida - História de Portugal, Vol. II, pp.425-426

(44) Filipe, Nuno Augusto Dias - A Inquisição e o Poder do Estado no Tempo de D. João IV, in, Historia, ,69(7/1984)

(45) Anais da Academia Portuguesa de História, vol. VI..

(47) Pereira, Isaias da Rosa - A Inquisição em Portugal. Séculos XVI-XVII-Período Filipino... ed.vega 1993 (uma colecção de documentos inéditos  fundamentais para se compreender a actuação do Santo Oficio em Portugal).

(50) A Inquisição entrou em Goa em 1561. Para isso muito contribuiu "São" Francisco Xavier (espanhol), que em 1546 escreveu a D. João III indignado com o número de portugueses judeus, que em total liberdade, praticavam o seu culto (cf. Jordão Freitas - Inquisição em Goa ...

 

 

Para nos contactar:

carlos fontes


jornalpraceta@sapo.pt