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A Universidade perante os desafios do Antropoceno

A Universidade de Lisboa (UL), no dia 24 de Outubrio de 2023, Dia Mundial da Luta Contra as Alterações Climática, organizou um conjunto de eventos na reitoria, subordinados ao tema: A Universidade perante os desafios do Antropoceno

As atenções estavam, contudo, voltadas para a conferência de Viriato Soromenho-Marques: “Como Reaprender a Habitar a Terra no Antropoceno?". O reitor da UL, Luis Ferreira, na apresentação do conferêncista no Salão Nobre, destacou a importância da questão para a Humanidade ao qual a universidade não podia ficar alheia. Pensar como no passado se supôs que a tecnologia resolve tudo é um tremendo erro. Estamos perante um problema complexo que só poder ser encarado de forma colaborativo e multidisciplinar. A Universidade neste domínio tem uma responsabilidade própria, assim como temos todos enquanto cidadãos no mundo. A este respeito referiu diversas vezes o papa Francisco, lembrandio as palavras do Levitico: o mundo não nos pertence, temos que ter em conta o que vamos deixar para as futuras gerações.

Viriato Soromenho-Marques, professor de filosofia na Faculdade de letras da UL e destacdo activista ambiental desde 1978, centrou a sua conferência em três pontos fundamentais: o papel das universidades, a distração face ao problema e urgência de uma utopia ética.

1. A Missão das universidades. Começou por lembrar que as universidades, desde a sua origem tem uma vocação universalista, de independência face aos diversos poderes, tendo como objectivo a procura verdade objectiva. Esta tradição milenar é a essência da própria universidade.

2. Distração. Centrando-se no tema proposto, começou por referir que o termo antropoceno procura caracterizar o panorama actual catastrófico do planeta, produto da espécie dominante. Como exaustivamente referiu, os seres humanos fizeram alterações brutais no planeta, cujas consequências são idênticas às que provocaram grandes mudanças geológicas do passado. Apresentou uma listagem das ameaças antropogénicas actuais para justificar a aludida semelhança: guerras nucleares, crise global do ambiente e do clima de dimensão planetária e irreversível, contaminação da cadeia alimentar, dos solos e da água, submissão da humanidade a um superinteligência (IA), pós-humanos ciborgues, digitais, injustiças entre gerações, perdas de sentido e tantas outras ameaças. O planeta como ainda o conhecemos está em risco de desaparecer.

Como chegamos a esta situação sem que as universidades tenham dado conta? A resposta está afinal na própria universiadade, uma vez que foi ela quem formou aqueles que conduziram a Humanidade para a catastrofe anunciada: cientistas, engenheiros e tantas outras especialidades. A conclusão benévola é que as universidades andaram distraídas.

Viriato Seromenho-Marques explicou que esta enorme distração ficou a dever à mudança no pensamento utópico que está na base no modo de pensar europeu e hoje domina o mundo.

A utopia, como a entende, é a projecção que fazemos do nosso viver colectivo. Platão sistematizou uma concepção ligando a organização social, à educação e à ética.

No século XVI, Thomas Moro, Campanella e Bacon operaram uma mundança no pensamento utópico, retirando-lhe a sua a dimensão ética, ficando apenas uma visão mecânica da sociedade social. Uma concepção utópica que foi reforçada com a revolução industrial e, no final do século XIX, com emergência da tecnociência que dorovante pretende o domínio absoluto dos corpos e da natureza. Pretende-se inclusive corrigir a natureza, alterando-a em função dos interesses do momento. A utopia moderna promete construir um novo mundo, numa aliança entre os Estados e os Mercados. As próprias universidades financiadas pelas empresas passaram a investigar não o necessário, mas aquilo que gera lucros. Tudo se tornou numa mercadoria, desligada de qualquer dimensão ética ou consideração sobre o mundo que será deixado para as futuras gerações. A utopia virou distopia: o crescimento da economia passou a ser assumido como compatível com a finitude do sistema-terra; a tecnologia promete substituir o que ela destroi na natureza. O importante é assegurar o crescimento económico ainda que isso conduza ao colapso da própria Humanidade, pelas consequências negativas que esse crescimento provoca.

3. Retorno a uma Utopia Ética. Face a este panorama catastrófico a solução é complexa, tal a dimensão do problema criado. Uma coisa é certa, temos que reintroduzir a ética nesta utopia ou distopia. Uma ética de acções que tenha em conta o planeta que vamos deixar para as futuras gerações. Nesse sentido, compete às universidades velarem pela formação ética dos seus alunos, desenvolveram o espírito critico, e de forma desinteressada aprofundarem o diagnóstico da realidade, tão objectivamente quanto possivel e contribuirem para encontrar as soluções posssiveis.

Finda a conferência seguiu-se seguiu-se um debate, compostos por painel cujos participantes eram de áreas muito diversificadas, como o tema o exige. Não há soluções simples nem milagrosas para o problema das alterações climáticas.

Antropoceno ou antropocénico. O termo foi criado nos anos oitenta do século XX pelo biólogo Eugene F. Stoermer e popularizado por Paul Crutzen. A ideia foi estabelecer uma semelhança com os vários períodos geológicos da terra, que foram acompanhadas por brutais mudanças nas formas de vida. Neste caso procura-se dar conta como as profundas alterações no suporte de vida no planeta estão a conduzir ao próprio fim da Humanidade.

Viriato Seromenho-Marques (1957). Activista ambiental desde 1978. Entre 1992 e 1995 foi presidente da associação ambientalista  QUERCUS. Membro fundador da ZERO (2016). É professor no Departamento de Filosofia na UL. Cidadão empenhado em causas sociais possui uma vasta obra sobre filosofia politica e ambiental.