Jornal da Praceta

Informação sobre a freguesia de Alvalade

(Alvalade, Campo Grande e São João de Brito )

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Viver na Freguesia de Alvalade*

Gaspar Martins dos Santos 

Vivo em Alvalade desde 1954. Tive aqui várias residências: comecei pelo Campo Grande onde hoje é a Universidade Lusófona, alternando com a Pontinha. Depois, sucessivamente, na Avenida de Brasil, Avenida de Roma, Avenida Rio de Janeiro e atualmente na Rua José Duro. Quem vive há 64 anos Alvalade, pode escrever e sobram-lhe temas sobre como é viver cá. 

Posso afirmar: é bom viver em Alvalade. Foi aqui que completei os estudos, casei e onde os meus dois filhos foram criados. Na cidade das sete colinas, tem-se aqui vários privilégios: é uma freguesia praticamente plana, onde temos tudo desde escolas, lugares de culto, farmácias, repartições públicas, comércio local e cafés. Não é preciso sair da paróquia, se não para passear, como diz minha mulher. 

A freguesia de Alvalade é resultado da “união”, desde há poucos anos, das freguesias de Alvalade, Campo Grande e São João de Brito, mas não foi sempre assim. O contrato lavrado em 1951 do arrendamento da casa em que vivi na Av. Rio de Janeiro referia esta como pertencente à freguesia da Charneca. 

Sou do Algarve. Tenho alguma obra publicada, mas não me considero escritor. Costumo dizer que sou descritor. Porque tento descrever acontecimentos, pessoas, enfim aquilo que a realidade me impressionou ou impressiona e sobretudo memórias da minha juventude. Tenho publicado em Jornais como O Século, Jornal do Algarve, Jornal do Baixo Guadiana e no Boletim Municipal de Alcoutim. Em livro publiquei Crónicas Alcoutenejas I e Crónicas Alcoutenejas II. Também tenho colaborado com alguns artigos no Jornal da Praceta, o primeiro jornal online de um bairro de Lisboa.     

Assisti à construção do Mercado de Alvalade Norte, que conheci ainda era um barracão de madeira. Assisti à construção dos prédios grandes no Largo de Santo António, na Av. do Brasil e no Campo Grande.  À construção de dois estádios da Luz e dois estádios de Alvalade, isto é, às suas primeiras construções, demolições e segunda construção. Como também assisti a alguns jogos naquilo que chamavam a Estância, por ter bancadas de madeira - campo pelado utilizado pelo Benfica nas imediações do estádio de Alvalade.

Quando vim para Lisboa a Av. do Brasil era conhecida por Av. Alferes Malheiro. Um Alferes que foi duas vezes maltratado, primeiro tiraram-lhe o nome daquela avenida, depois deram-lhe o nome a pequena meia rua. Pequena por ter menos de 100 m, e meia por ter prédios só de um lado. Fica em frente ao Parque José Gomes Ferreira, parque com o nome dum escritor, que conheci bem, e tem placa na Av. Rio de Janeiro onde morava.

Assisti à construção da linha do Metro que passa sob a Avenida de Roma. E, também, às consequências de um acidente nessa construção, felizmente sem vítimas a lamentar. Na Av. De Roma, próximo do Ministério do Trabalho, um abatimento de terras para cima do túnel do Metro, antes da construção da respetiva abóboda de betão, abriu uma “cratera” de secção retangular onde caberia um autocarro. 

Um dia ao sair de casa para o trabalho, estavam com uma grua a erigir a Estátua de Santo António, no Largo de Alvalade. Quem dirigia os trabalhos era um amigo meu, conterrâneo e contemporâneo do Instituto Superior Técnico, o engenheiro civil António do Rosário que trabalhava então para a firma José Matias. Cumprimentámo-nos e eu teci alguns comentários a propósito. Foi também este engenheiro que dirigiu os trabalhos do viaduto da 2ª Circular sobre o Campo Grande, onde tem uma placa com o seu nome.

Há anos quando o Senhor Veloso dos Armazéns do Minho era Presidente da Junta de Freguesia de S. João de Brito, vimos com alguma surpresa, por não ser uma tradição entre nós, festejarem os Santos Populares com música e algumas barraquinhas de comes e bebes no Largo Frei Heitor Pinto. Era como as vendas do Natal que agora se fazem na Av. da Igreja. Este Minhoto de naturalidade defendia fortemente que se não deixasse definhar o comercio local, tendo criado/divulgado o slogan: “Cada comerciante um amigo. Compre no Comércio Local”.

Assisti ao tremor de Terra de 1969 - morava num rés do chão na Av. Rio de Janeiro. O prédio começou a tremer. Saltei para a rua, quis que os dois filhos saltassem também, mas eles com 11 e 5 anos, preferiram ficar em casa. Eu mantive-me algum tempo na rua. Olhei a dada altura para os lados da Av. EUA e vi as árvores a varejar de acordo com a frequência do tremor. Deu-se uma pausa e as oscilações recomeçaram com maior amplitude e maior frequência o que se notou na alteração do varejar das árvores. Com a mudança da frequência, o teto do meu quarto abriu uma racha emitindo um som que eu na rua ouvi. Impressionou-me, de verdade, formarem-se e progredirem até se desfazerem ondas no asfalto da avenida, como água num lago, que, no entanto, não chegou a abrir fendas. Muitos dos meus vizinhos meteram-se nos automóveis e foram para espaços mais livres de prédios. 

É bom viver em Alvalade. Alvalade tem tudo na própria freguesia ou quanto muito numa freguesia vizinha. Tem Correios, Finanças, Notário, restaurantes de várias nacionalidades. Tem vários supermercados, que vieram substituir as antigas mercearias. Tem no Parque da Saúde o Infarmed, Centro de Saúde, Hospital Psiquiátrico, tem ainda o Hospital de Santa Maria (Hospital Universitário) e na freguesia contigua do Lumiar o Hospital Pulido Valente. Tem um Parque Desportivo do INATEL, com ginásio, piscina, pistas de corridas e campos de futebol e de ténis, que associados podem utilizar ou assistir a festivais. E um Centro Hípico onde se realizam treinos e provas internacionais de equitação, alem de servir de residência permanente de cavalos.

Também temos na freguesia vários lugares de culto pertencentes a diversas religiões, sendo naturalmente mais frequentadas as Igrejas Católicas. 

Na freguesia temos ensino universitário: A Universidade de Lisboa, com as suas faculdades e institutos, o ISCTE e ainda a Universidade Lusófona. E diversas escolas de ensino básico e de ensino secundário. Temos o LNEC, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, bastante conceituado internacionalmente, onde se realizam investigações sobre materiais e processos de construção. 

Temos ainda na freguesia o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, a cuja construção assisti; a Biblioteca Nacional de Portugal; a Biblioteca Chaves Caminha de que conheci o doador, Manuel Chaves Caminha; o Museu de Lisboa e, do outro lado do Jardim, o Museu Bordalo Pinheiro.

Temos o Palácio dos Coruchéus, um centro de difusão de cultura. Ali tenho visto diversas exposições de pintura e fotografia. Um amigo e vizinho da nossa rua, de nome João Fazenda, ali tem feito várias exposições de fotografia captadas com olho artístico de aspetos interessantes da nossa freguesia e de outras cidades europeias. 

Outro nosso amigo, Carlos Fontes, também morador no bairro e diretor do Jornal da Praceta tem ali publicado em “Imagens de Alvalade” centenas de fotos com o que de mais significativo tem a freguesia e que muitos de nós passando por elas nem sempre as vemos

Sem se sair da freguesia podemos ir ao Teatro Maria Matos ou ao cinema no antigo Cinema Alvalade hoje com o nome de Cinema City Alvalade.  

Tem bom serviço de transportes: Estação de caminho de Ferro; proximidade da Central Rodoviária de Expressos. É servida por cinco estações do Metropolitano e por várias carreiras de autocarro, e ainda por pequeno autocarro da Junta de Freguesia, O Porta a Porta. Proximidade do Aeroporto, já noutra freguesia, que também alguma incomodidade acarreta pelo perigo e o ruido; tão próximo que os taxistas refilam quando, no regresso de viagem tomamos um táxi para casa; há muitos anos, vindo sozinho do Porto pela manhã vim para casa na Av. Rio de Janeiro a pé

É deficiente em estacionamentos para automóveis. Há anos houve a tentativa de criar alguns estacionamentos subterrâneos para atenuar essa carência, no Largo Frei Heitor Pinto, Rua José Duro (junto ao mercado) e na Praceta José dos Lins Rego, que não chegaram a concretizar-se devido a muitas razões, como a oposição dos moradores, a falta de financiamento inicial e outros motivos.  

Nos anos 50 havia vários cafés, alguns dos quais ainda se mantêm, que eram pontos de convívio e onde os estudantes aproveitavam para consolidar os conhecimentos que adquiriam nas escolas, e as famílias passavam alguns momentos de lazer.

Os cafés mais próximos eram na Av. da Igreja. Havia a Pastelaria Nova Lisboa, em frente o Astória, mais acima o Baia, depois a Roca e depois a Leitaria A Nova Arganilense, e o Bangu, para só referir aqueles que nós enquanto estudantes mais frequentávamos. Na Rua Marquesa de Alorna havia o Restaurante Central onde nos finais dos anos 50 se podia comer um bife por 5$00 ou uma posta de bacalhau por 4$00.

A Nova Lisboa, além de cervejaria como hoje, mas mais pequena, era a pastelaria mais chique, que muitas famílias frequentavam, o que não foi obstáculo ao episódio do princípio dos anos 50 que vou contar: um médico espanhol estagiário de psiquiatra no Hospital Júlio de Matos vinha em pijama muitos dias, logo que saia da cama, tomar o pequeno almoço a esta pastelaria.

A Leitaria a Nova Arganilense (hoje com o nome de Helsínquia) era aquela que os meus amigos estudantes e eu, mais frequentávamos para estudar e lá permanecer com pequena despesa, e sem que isso aborrecesse os donos ou os empregados que eram simpáticos e conversavam muito connosco. Eu cheguei a lá fazer uma sesta quando estava mais cansado e aquelas cadeiras de verga a isso convidavam. Há poucos anos fizemos aqui um almoço convívio dos frequentadores/estudantes doutros tempos.

Na Rua Luís Augusto Palmeirim havia várias mercearias, uma até vendia pão do meu concelho. Agora há apenas uma, as outras mudaram de ramo de negócio. 

Foi aqui na freguesia de Alvalade que pela primeira vez votei. Votei na Escola Secundária Rainha D. Leonor com um do boletim de voto, que me tinham colocado na caixa do correio, já convenientemente riscado para ser considerado “não válido”, uma vez que não votar, para um funcionário público, tinha como consequência pelo menos ser eliminado dos cadernos eleitorais. 

Assisti às Festas da Liberdade no Estádio 1º de Maio do Inatel, que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, como assisti dias depois à mudança de dirigentes da Junta de Freguesia de S. João de Brito em sessão pública no Salão Paroquial. Recordo-me que eram o Dr. Goucha Soares e o Eng.º Caldeira Rodrigues que na mesa dirigiam os trabalhos. Não houve resistência senão do Tesoureiro da Junta anterior. 

É bom viver em Alvalade! Para além do que acabo de referir, há em muitas ruas, como aquela em que moro, em que por conhecermos muitas pessoas nunca estamos sós. É como se vivêssemos numa aldeia – há sempre com quem conversar ou pelo menos cumprimentar.

* A primeira versão deste texto foi distribuido na Tertúlia de 27/1/2018, na Biblioteca Manoel Chaves Caminha. Neste publicação fizemos algumas pequenas modificações tendo o público mais amplo a que se dirige.

   
 
 

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