Inédito:

A Revolta dos Estudantes

contra da Ditadura em 1973

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Há  cerca de trinta anos um grupo de estudantes, em número considerável, do Ensino Secundário de Lisboa foi detido foi detido no Hospital de Santa Maria pelas forças da PSP e DGS.

O “Jornal da Praceta”, por ocasião das comemorações do trigésimo aniversário do 25 de Abril, entrevistou um dos estudantes daquela época, hoje com 48 anos.

 (Nota -  O leitor poderá notar algumas semelhanças entre entrevistador e entrevistado e tem razão)

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JP - Como foi isso da vossa detenção? É que eram mais de 160 estudantes…

RSPodíamos ter sido mais. Algumas das nossas reuniões ultrapassavam largamente esse número. Éramos estudantes de vários liceus de Lisboa, integrávamos o MAEESL (Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa). Uns andavam aqui ao lado, no PAV, outros eram do D. Dinis, outros do D. Pedro V,  do Pedro Nunes, do Dona Leonor, etc. Eu e mais uns quantos – poucos…- éramos do Camões. Entrámos tarde mas ainda a tempo. (Ri-se).

Reuníamo-nos, com alguma assiduidade, para encontros mais restritos ou mais alargados, nas instalações associativas facultadas pelos nossos colegas do Ensino Superior – esta expressão deixava-me inchado !…- Para além de Medicina, reuníamos-nos no Técnico, no ISE e em Ciências.

JP – E nesse dia a vossa reunião estava marcada para Medicina …

RS – Justamente, não. De início era para ser no ISE mas aquilo estava cheio de bófia e pides. A alternativa, isso sim, era Medicina, sala 7 de Maio. Eles, claro, só tinham de nos seguir se nos quisessem, como queriam, apanhar.

JP –Mas porque é que as forças repressivas se davam ao trabalho de andar a perseguir-vos? Não quero ofender-te mas vocês eram uns meros miúdos…

RS – Não ofendes nada. A pergunta faz sentido. Em primeiro lugar, éramos já algumas centenas. Em segundo, andávamos nas “más companhias” dos nossos colegas universitários – lá estou eu…. Havia dirigentes associativos presos em Caxias. Em terceiro, participávamos nas manifestações de rua contra o Fascismo, a Guerra Colonial, pela libertação dos Presos Políticos, etc. Tudo isto em clima de grande efervescência: muitas manifestações de rua tinham sido realizadas por ocasião do primeiro aniversário do assassinato do Ribeiro dos Santos, o Técnico estava fechado ou com a polícia de choque à porta (e lá dentro…), Direito tinha os famosos gorilas e por aí for a…

JP – Mas voltando, mais especificamente, ao dia e ao local da vossa detenção: como é que foi, insisto? Tiveste medo, por exemplo?

RS – Foi no dia 16 de Dezembro de 1973, um Domingo, creio. Já na sala 7 de Maio, a reunião começou. Por quem ia lá for a (em vigilância ou, simplesmente, para ir ao WC), pelo que se descortinava das janelas dessa cave (davam para um fosso gradeado em cima), sabíamos que a polícia ia apertando o cerco. Hoje penso que só nos detiveram já tão tarde deve  ter sido com medo do alarido que testemunhas incómodas – as visitas dos doentes – poderiam fazer. Por fim, lá entraram pela sala dentro. Medo? Sim, acho que tive (tivemos?) num primeiro instante. Temi que nos brindassem com um arraial de porrada. Entrando pela única porta, ficámos, portanto encurralados. E como não começaram a bater,  o medo evaporou-se rapidamente (o facto de sermos muitos também ajudou) e, praticamente, a partir daí foi só risota.

JP – Como assim, risota?

RS – A política é sisuda. O Fascismo é  estúpido. O Humor que explora o ridículo de uma polícia que sustem (mal, diga-se de passagem) um regime decrépito e patético, torna-se um aliado precioso.

JP - Concretamente…

RS – Concretamente as primeiras palavras, que me lembro depois daqueles instantes de silêncio (um silêncio de 160 jovens numa sala exígua é, no mínimo, impressionante) vieram da boca dum pide (ou dum bófia à paisana) foram, textualmente: “Vocês não passam de aprendizes de comunistas!” e toca de mandar um subalterno tirar fotos aos escritos na parede. Ora, para além dos inevitáveis “Fim à Guerra Colonial”, “Morte ao Fascismo”, etc., o diligente fotografo policial registou a perigosíssima frase “O que vocês querem está murcho!”. Foi o meu irmão que mo contou e tive dificuldade em conter o riso. Talvez não tenha sido assim com todos. Não o foi de certeza, pois alguns sabiam que seriam encaminhados para Caxias. E que nestas reuniões havia apelidos como Varela Gomes, Portas (de Miguel, está visto) ou Louçã – o actual deputado do Bloco de Esquerda.

JP – Isto já vai longo. Pedia-te para abreviares.

RS – Vocês, jornalistas, são sempre assim. Mas está bem. Lá fomos nas ramonas até ao Governo Civil. Aí enjaularam-nos nuns calabouços enormes que se tornavam pequenos tantos nós éramos. As “mulheres da vida” apanhadas numa rusga doutra índole exultavam: “Olhem, filhas, estudantes!”. Raparigas (menos) para um lado, rapazes para o outro raparigas fomos fechados após passarmos por um labirinto de mantimentos donde me chega ainda hoje, o cheiro a um nauseabundo carrascão. Depois levaram-nos em pequenos grupos para nos raparem o cabelo. Não gostei nada da ideia, mas, em breve, já estava a rir. É que tínhamos perdido totalmente o respeito à bófia. Um colega um pouco antes da minha vez, voltou-se para o cívico e disse-lhe: “É curtinho atrás, se faz favor.”; o outro disse qualquer coisa como: “Ora, então, é o costume”. A reentrada nas celas era assinalada por grandes salvas de palmas e pelo redobrar da galhofa. A comida que recebíamos do exterior era repartida comumente e não propriamente consumida pelos destinatários. No meu caso, o cívico esteve para não ma entregar pois insistia que só o podia fazer a um tal Rui e Eduardo Simões ( só a essa pessoa!). Foi difícil convencer aquele crânio que éramos dois irmãos, um Rui, outro Eduardo hospedados em celas diferentes. Que não. Que só entregava a comida a quem se chamasse como vinha no embrulho e mais nada. Felizmente apareceu um colega dele, o intelectual lá do sitio que lhe disse: “Dá essa merda a um deles e vai mas é lá para cima”. De manhã à saída, já na Brasileira o escritor Virgílio Martinho estava eufórico: “Isto é uma vitória, isto é uma vitória!”. Também achei. Os únicos estudantes que perderam nesse dia 16 de Dezembro de 1973 foram os da Académica. O Sporting fora implacável:3 - 0.    

Rui Simões (2004) 

   
 

"Há Sempre Alguém que Diz Não. A Oposição Estudantil à Ditadura no Ensino Secundário de Lisboa. 1970/1974.", Torre do Tombo. 15/12/2023 a 28/02/2024.

A contestação estudantil no ensino secundário em Lisboa, Almada e Amadora cresceu de forma consistente nos anos setenta, reflectindo também o aumento do númro des estudantes. Em 1960/61 eram apenas 40 mi para em 1973/74 atingir os 123 mil, embora neste ano, os que fequentavam os liceus fossem apenas 22 mil. Em 1970 foi criado o MAEESL (Movimento Assoc. das Escolas Sec. de Lisboa) que substituiu a Comissão Pró-Associação dos Liceus. Esta organização, muito ligada a movimentos radicais ( maiostas, anarquistas, trotskistas) tinha forte implantação em liceus como o Pedro Nunes, D. João de Castro ou D. Pedro V. A Guerra Colonial, a repressão policial e o assassinato de Ribeiro Santos (12/10/1972) mobilizaram os estudantes para a luta. Sucediam-se os confrontros entre estudantes e a polícia, como ocorreu no Liceu D. Pedro V (8/02/1972) e no Liceu Pedro Nunes - (19/05/1972). No ensino superior, as associações de estudantes eram alvo de um repressão sistemática.

Em Alvalade, nos dois liceus - "PAV/Padre" (liceu masculino) e "Rainha" (liceu feminino) - cresceu a constestação dos estudantes. Editam boletins e comunicados em que denunciam o regime e a repressão que são alvo.

No dia 16 de Dezembro  de 1973 alguns liceus entraram em greve, tendo sido presos 151 estudantes, 37 dos quais eram menores, como o irmão do jovem Rui Simões. O relatório que a PSP enviou para a Pide identificou cada um deles. Neste dia, a Faculdade de Medicina no Hospital de Santa Maria foi cercada pela policia e vários estudantes foram também presos.

No dia 17 de Dezembro desencadeia-se uma nova acção de luta nos liceus Padre António Vieira, Maria Amália, D. Pedro V, D. João de Castro, Pedro Nunez e no liceu de Almada, envolvendo quase dois mil alunos. Ocorrem boicotes às aulas, greves gerais, ocupações de escolas e manifestações nas ruas, uma contestação que alarmou o regime. No Liceu Padre António Vieira, onde dez alunos haviam sido presos no dia anterior, cerca de 100 alunos reuniram-se na sala de convivio e, em assembleia geral, apelaram a uma greve geral de protesto. O estudante João Carlos Teiga Zilhão do 7º. ano e José Paulo Casimiro da Fonseca, introduziram fósforos nas fechaduras das portas para que as aulas não pudessem realizar-se. Convidaram também os colegas à greve gritando: "Abaixo a situação", "Abaixo o fascismo" (Documentação exposta na TT).

A revolta dos estudantes estava generalizada. Durante o IIIº. Colóquio Nacional de Arqueologia Juvenil, de 17 a 23 de Fevereiro de 1973, que ocorreu no Palácio dos Congressos no Estoril, um grupo de jovens passou na assistência desenhos e frases jocosas contra os representantes do governo ali presentes, como o ministro da educação. No Centro de Educação Física, na Cruz Quebrada, onde estavam alojados, ameaçam os elementos estudantis infiltrados afectos ao regime. No caso de serem expulsos ou presos, seriam os bufos linxados, e conseguem desta forma o seu silêncio. Prosseguem a propaganda contra o fascismo e a guerra colonial. A viagem até ao Algarve torna-se numa caravana de propaganda contra o regime. O quatro 417 no Hotel Siroco é transformado centro de discussão e agitação política contra o regime.