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A Rainha Dona Leonor e os Judeus Portugueses de Amesterdão

Ao visitar esta igreja católica em Watergraafsmeer, o nosso director, deparou-se com um surpreendente elemento da fachada que o remeteu para a grande Sinagoga dos Portugueses de Amesterdão, e para uma inesperada evocação da rainha dona Leonor e de D. João II rei de Portugal em Amesterdão. Uma história inédita revelada pelo Jornal da Praceta.

A Igreja de Linnaeushof (Parochiekerk van de Heilige Martelaren van Gorcum), como já escrevemos, foi inaugurada em 1929. É uma obra do arquiteco Alexander Jacobus Kropholler, muito influenciado por Beurs van Berlage. Foi construida numa altura em que  a  primitiva Igreja dos Martires de Gorcum (Martelaren van Gorcum, 1902 - 1929), próximo do local, se revelou pequena de mais para acolher um número crescente de crentes. Evoca o martirio de 19 padres católicos, seculares e regulares, que se recusaram, em 1572, a renunciar ao catolicismo e aderirem ao calvinismo. 

Ophanging van de martelaren in Den Briel (Cesare Fracassini, 1867) 

Na fachada da Igreja, de grande sobriedade, foi colado um grande medalhão com um pelicano, um simbolo cristão que simboliza os que dão a vida por outros.  Nunca encontramos um simbolo semelhante na fachada de uma igreja holandesa. Descobrimos o seu u autor: Joseph Mendes da Costa (1863-1939), escultor. Em 1886 a 1887, integrou o grupo artístico "Labor et Ars", um das expressões posteriores da Art Nouveau holandesa. Pertencia a uma familia judaica de origem portuguesa. Era filho de Moses Mendes da Costa (escultor, com uma oficina em pai em Nieuwe Prinsengracht, Amesterdão) e de Esther Teixeira de Mattos. O seu irmão, Samuel Mendes da Costa (1862-1943), tornou-se professor de dermatologia na Universidade de Amsterdão. Em 1891, casou-se com sua prima Hanna Jessurun de Mesquita (Amsterdã, 25 de novembro de 1862), irmã do artista gráfico Samuel Jessurun de Mesquita (1868-1944), o mestre e amigo de M. C. Escher (1898-1972). Está sepultado no cemitério judaico-português Beth Haim, em Ouderkerk aan de Amstel. A sua obra artistica é marcada pela pela monumentalidade e o simbolismo 

Estava encontrada um primeira pista, mas não ficamos por aqui. Na famosa e imponente Sinagoga dos Portugueses em Amesterdão, encontramos outra escultura do Pelicano, igualmente da autoria de  Joseph Mendes da Costa (1900). O problema assumia agora uma intrigante dimensão: qual a razão de um simbolo cristão num templo judaico?  Na proximidade da sinagoga, na casa situada na esquina da Rapenburgerplein com a Rapenburg, onde existiu um hospital judaico português, numa pedra lateral temos outro pelicano, o que reforçava a convicção que os judeus portugueses de Amesterdão haviam adoptado o pelicano como simbolo.

Os historiadores holandeses não conseguem explicar a origem deste simbolo cristão numa sinagoga. Apuraram que no século XVII, os judeus portugueses de Amesterdão assumiram como simbolos, um Félix e o Pelicano, acabando este por ser tornar no seu simbolo. Alguns sustentam igualmente que a origem dos simbolo remete para a Peninsula  Ibérica.

Uma ligação simbólica quer do Fénix ou do Pelicano, encontram a sua explicação e origem de forma inequivoca em Portugal.Não é dificil descobrir a razão porque foi adoptado como simbolo pelos judeus portugueses de Amesterdão. A comunidade portuguesa que se estabeleceu em Amesterdão a partir de 1595, manifestava com grande orgulho a sua ligação a Portugal, cuja lingua foi usada no quotidiano e no culto até princípio do século XIX.

Por volta de 1640, terá adoptado como simbolo o Fénix, que simbolizava a ideia de renascimento, numa clara alusão à restauração da Independência de Portugal. O Fénix, recorde-se, era o simbolo de D. João IV, cuja divisão Pos Funera (Depois da Morte) evoca justamente esta restauração.

A adopção do pelicano, é provável estivesse primitivamente ligado a outra importante instituição criada pelos judeus portugueses de Amesterdão, a Santa Companhia de Dotar Orfãos e Donzelas Pobres (1616), cujas funções são similares às obras da Misericórdias criadas pela Rainha Dona Leonor.

O Pelicano, recorde-se, era o símbolo régio de D. João II e da Rainha D. Leonor de Portugal. Ficou associado, em particular, à sua obra assistencial, nomeadamente à criação dos hospitais de Jesus Cristo em Santarém, das Caldas da Rainha (1485) e de Todos-os-Santos em Lisboa (1492). No século XIX, D. Luis, voltou a adoptar o pelicano como simbolo, dando-lhe um significado pessoal.

Carlos Fontes